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Data da publicação: 02/12/2016

Esta entrevista foi originalmente publicada na revista ICMCotidi@no nº 98, edição de Julho/Agosto/Setembro de 2012

 

Circulando com o jornal sob o braço e fones no ouvido, o semblante pensativo do professor Carlos Biasi é familiar para quem já frequentou o Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos. Dentro ou fora da sala de aula, falando sobre matemática, política, literatura, música clássica ou futebol, Biasi é conhecido por sua erudição, e se tornou uma figura muito querida no Instituto.

Nascido em Votuporanga, interior de São Paulo, Biasi graduou-se em 1971 pela UNICAMP e ingressou no ICMC em 1973 como auxiliar de ensino. Em 1981, sob orientação do professor Gilberto Loibel, titulou-se como doutor pelo Instituto. Em 1985, fez pós-doutorado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Atualmente, é professor doutor no Departamento de Matemática (SMA) do ICMC, onde atua na área de Topologia Diferencial e Algébrica. Desde 2011 afastado de suas atividades, o professor Biasi gentilmente concedeu de sua residência a entrevista abaixo à equipe do ICMCotidi@no. Por sua riqueza de conhecimentos interdisciplinares e capacidade de superação, sua trajetória funde-se com a história do ICMC.

 

Como o senhor iniciou sua carreira na matemática, e o que o levou a escolher essa área?

Sempre gostei de matemática. Primeiro entrei em Engenharia na UNICAMP e, durante os dois anos básicos do curso, optei pela Matemática por gostar da área. A maioria das pessoas costuma fazer o oposto, como é o caso de muitos professores do ICMC. Durante meus tempos de aluno no ensino médio e fundamental oscilei bastante – no grupo escolar eu era um bom aluno, depois fui decaindo. Já no colegial, voltei a ser bom aluno.

 

Na educação básica, os estudantes brasileiros não são bem avaliados nas ciências exatas em comparação com outros países. Considerando que o ICMC ministra disciplinas de matemática para todos os cursos do campus, essa deficiência é percebida nos seus ingressantes?

Antigamente, quando se entrava no ginásio, era preciso saber geometria, equações e álgebra. Atualmente muitos alunos não são reprovados e por causa disso, se acomodam. É possível notar uma grande diferença entre os alunos de hoje e os de trinta anos atrás. Isso acontece em muitos cursos de exatas, mas principalmente na matemática. Os alunos dos cursos de engenharia, em geral mais concorridos no vestibular, entram com um preparo maior.

 

Como o senhor busca estimulá-los no aprendizado da disciplina?

A melhor maneira é mostrando a eles que a ela estão relacionadas coisas cotidianas e da natureza, como nas árvores e o movimento dos astros no céu. Mas o aluno também tem que se esforçar e se motivar, e isso depende dele. Alguns recuperam o atraso. O professor influencia também, com uma aula estimulante e exercícios de motivação. Mas muitas vezes o aluno não está nem aí, qualquer que seja o professor.

 

O professor Gilberto Loibel foi seu orientador durante seu doutorado. Quais influências ele exerceu sobre sua carreira?

Tive contato com ele nas aulas da pós-graduação, que eram espetaculares. Depois como orientador, e ele era brilhante. Todo professor bom influencia, como ele (Loibel) e o professor Luiz Favaro. Depois você cria um estilo próprio. Mas você não pode pensar só no mérito, muitas vezes você tem seus defeitos também. E é bom conversar com o aluno.

 

O senhor é um dos poucos matemáticos que ainda dominam o uso da régua de cálculo no ensino de matemática. Qual a importância em preservar esse tipo de instrumento e qual o papel do Museu do ICMC nesse sentido?

Acredito que a importância neste tipo de instrumento é ensinar os alunos o conceito de cálculo, e também a calcularem. Esse tipo de ferramenta força o aluno a raciocinar, e isso é uma coisa que temos perdido muito hoje em dia, principalmente por conta da computação. O museu do ICMC (Museu de Computação Odelar Leite Linhares) possui um grande acervo destes equipamentos e cabe a nós divulgar e transmitir este tipo de conhecimento.

 

No campus, o senhor sempre foi conhecido como um entusiasta da matemática, da música – sobretudo da clássica – e da astronomia. Como essas áreas se relacionam e o que lhe atrai nelas?

A matemática está presente em tudo na natureza. Na astronomia, por exemplo, ela está presente na mecânica celeste, no movimento dos astros no céu, nas coordenadas. Temos por exemplo as coordenadas polares, horizontais e equatoriais. Uma vez chamei os alunos para ver uma árvore que tinham cortado no ICMC, tentei mostrar a eles o vetor gradiente nos círculos de crescimento da árvore.

 

Em suas aulas o senhor costuma usar músicas como exemplos, como Cânon, de Pachelbel, e algumas composições de Bach. Em sua opinião, existe uma relação indissociável entre a matemática e a música? Como ela ocorre?

Na música temos muito de matemática. Ela está presente no compasso, no ritmo, nas escalas e na maneira como marcamos o tempo. Há algumas escalas que podem ser comparadas a sequências numéricas. No caso da Cânon, de Pachelbel, penso que ela seja talvez a mais matemática por ser um ciclo de notas que se repetem. No caso do tempo, podemos ver isso também no compasso. Johann Sebastian Bach, o compositor, além de músico era matemático. Há ainda outras músicas clássicas, e de outros gêneros, com muita matemática. Mas tem que agradar, pois gostamos da música pela sua beleza.

 

Nos discos de ouro que foram colocados juntos com as naves das missões Voyager I e II, intitulados Sound of Earth, há imagens e sons da natureza da Terra, saudações em mais de 55 idiomas, e músicas de Bach, Beethoven, Mozart, Stravinsky, entre outros. Como matemático o que o senhor considera que tenha feito com que estes autores tenham sido escolhidos?

Quanto de matemática há nessas composições? Nesse disco há muita informação em geral, além de sons da Terra, do trovão, do sistema solar, átomos, hidrogênio. Quanto às músicas e aos compositores, dá para notar muita coisa de matemática nas obras de Bach, Beethoven, Mozart, Stravinsky. Além do compasso, ritmo e escalas, ainda podemos ver a matemática nos instrumentos musicais, pois eles são baseados na proporção áurea. Mas para mim, essas músicas foram escolhidas, porque a matemática é universal. Outro motivo é pela beleza delas, e por serem conhecidas. Mas a música que mais me agrada é o Terceiro Concerto de Brandenburgo, de Bach. Gosto muito do movimento desta música.

 

Texto e foto: Davi Pastrelo – Assessoria de Comunicação do ICMC

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